Capítulo I

Ana chega casa. Sua mãe e seus irmãos preparavam-se para comer qualquer coisa. Deixa a sua sacola na cadeira mais próxima e corre desenfreadamente em direcção ao Manel, para lhe roubar o pedaço de pão com queijo que este havia preparado. E ouve-se a voz de comando do irmão mais velho, João enquanto tentava proteger o que havia preparado para si: 'Aqui não tocas Anocas - protegendo a sua tijela de migas de pão com leite - ... se quiseres a mamã prepara-te qualquer coisa... e não é nada bonito fazeres isso, já te disse!'

O Manel, quase sem reacção, fica a olhar para a Ana a saborear o único pedaço de queijo que tinha reservado para acompanhar o pão e o leite com chocolate. Ana, deita a língua de fora ao irmão mais velho (ao João), como se quisesse lembrá-lo que por ele ser o mais velho, não manda nada e no instante seguinte já estava agarrada às pernas de sua mãe, protegendo-se dos seus irmãos..

'Oh mãeee... assim não vale... a Ana comeu o único bocado de queijo que eu tinha... e você não diz nada. É sempre  a mesma coisa!' - diz Manel zangado.
'Filho, tens que aprender a tomar conta das tuas coisas. A Ana está com fome e chegou agora a casa. Na próxima preparas o lanche para ela também...' - diz a mãe.
Ana deita a língua de fora ao Manel, suja de pedacinhos de queijo e pão, reforçando a lembrança de que ela é uma menina e que pode fazer tudo o que lhe apetece.

Nisto entra o pai, sacode a sua gabardine e pendura-a no cabide à entrada. Dirige-se para a cozinha e aproveita a distracção do João para tirar uma colherada das suas migas de pão com leite. A confusão instala-se outra vez, e a mãe de Ana, enquanto se tenta desenvencilhar da filha, que continuava agarrada a suas pernas, diz: 
'Meu Deus, parece que nesta casa a única ajuizada sou eu!! Parem!!' - aproxima-se do marido e dá-lhe um beijo na cara. (naquele tempo beijos na boca eram dados às escondidas na penumbra do quarto)

Manel continua zangado, e desistindo de tentar agarrar Ana, volta ao seu lugar na mesa e decide beber o leite com chocolate. João, já estava a pegar na sua tijela de migas de pão de leite para ir para a sala, quando a Ana, na sua correria endiabrada escorrega e cai, batendo com a cabeça no canto da mesa.

O pai agarra-a e eleva-a nos seus braços, brincando com ela, para que não sentisse a dor.
Ana choramingava, Manel parecia satisfeito, e a mãe, habituada aquelas quedas, apenas deu um beijo na testa de Ana e voltou à sua tarefa - a preparação do jantar.

'Ainda dói muito?' - pergunta o pai de Ana
'Não papá... já está a passar... quero ir ao chão...' - responde Ana enquanto manifesta desejo de sair do colo do pai.

Ana dirige-se para a sua mãe e agarra-se a ela, como se lhe quisesse pedir desculpas e Manel, aproveita a oportunidade para lhe dizer: 
'Estás a ver... isso foi castigo de Deus! Portaste-te mal e Deus castigou-te!'
'Cala-te... pão com queijo...' - metendo a língua de fora: 'Bbrrrrr.... se tu podes roubar os meus brinquedos, eu também posso roubar o teu pão com queijo... e o meu Deus não castiga, o teu é que é mal humorado...'
'Não são teus esses brinquedos - tu tens as tuas bonecas, estes brinquedos são de meninos' - diz Manel, e acrescenta '... sei lá se é mal humorado, nunca o vi...'
'Não quero saber - se eu os levar para a minha cama, ficam a ser meus e tu já não podes tocar neles!' - diz Ana com ar de quem sabe o que diz.

Manel dirige-se à mãe: 'Oh mãe, diga lá à Ana que as meninas só brincam com bonecas...'
A mãe responde: 'Oh meu deus, quando posso ter sossego nesta cozinha? Zunir, para fora daqui.. ah, e a palavra de Deus não é para andar na vossa boca dessa forma...
'Mas a mãe anda sempre a dizer 'Ai, meu Deus!'.... interrompe a Ana..
'Zunir daqui para fora, senão ninguém janta hoje!' - diz a mãe num tom mais zangado.

'Zunir' era um termo que a mãe usava por ordem - ao que eles respondiam fazendo como as abelhas 'zzzzzzzzzzz', como se voassem pela cozinha, ignorando a mãe.
Habituados ao estado natural da mãe, sempre refilona e nervosa, estas crianças haviam desenvolvido capacidade em brincar com isso, e não levar muito a sério o que a mãe ia dizendo.

Entretanto  Ana diz baixinho ao Manel: 
'Estás a ver? A mãe também acha que eu posso brincar com os teus brinquedos, por isso, podemos dividir...'
'Não disse nada, tu é que inventaste! Vou escondê-los debaixo da cama, e assim tu não podes lá ir...' - diz Manel
'Porquê? Eu vou onde eu quero... e se tu podes eu também posso' - diz Ana
'Porque está lá um bicho de muitas pernas e pode morder-te...' - diz Manel com ar assustador. Ana, revoltada, empurra o Manel e vai para o seu quarto. Fecha a porta e começa a arrumar as suas bonecas e alguns brinquedos do Manel debaixo da sua cama.

Dai a um bocado, ouve-se a voz do Manel:
'Oh Ana, viste o meu pião?'
Ana, segurando o pião na sua mão e escondendo a guita, finge que não ouve e esconde-se com os brinquedos debaixo de sua cama. Manel, estranhando o seu silêncio, abre a porta do quarto de Ana devagarinho e pé ante pé, aproxima-se da cama de Ana, para lhe roubar uma das bonecas que sua avó lhe ofereceu.
Ao mesmo tempo, Ana agarra-se às pernas do Manel, fingindo ser um monstro e Manel assusta-se no primeiro momento,mas depois espreita e vai ter com Ana debaixo da cama.
E como nada se tivesse passado, começam a brincar os dois com todas as coisas que Ana reuniu.
...

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