Ana chega casa. Sua mãe e seus irmãos preparavam-se para
comer qualquer coisa. Deixa a sua sacola na cadeira mais próxima e corre
desenfreadamente em direcção ao Manel, para lhe roubar o
pedaço de pão com queijo que este havia preparado. E ouve-se a voz de comando
do irmão mais velho, João enquanto tentava proteger o que havia preparado para
si: 'Aqui não tocas Anocas - protegendo a sua tijela de migas de pão com leite
- ... se quiseres a mamã prepara-te qualquer coisa... e não é nada bonito
fazeres isso, já te disse!'
'Oh mãeee... assim não vale... a Ana comeu o único bocado de queijo que eu
tinha... e você não diz nada. É sempre a mesma coisa!' - diz Manel
zangado.
'Filho, tens que aprender a tomar conta das tuas coisas. A
Ana está com fome e chegou agora a casa. Na próxima preparas o lanche para ela
também...' - diz a mãe.
Ana deita a língua de fora ao Manel, suja de pedacinhos de
queijo e pão, reforçando a lembrança de que ela é uma menina e que pode fazer
tudo o que lhe apetece.
'Meu Deus, parece que nesta casa a única ajuizada sou eu!!
Parem!!' - aproxima-se do marido e dá-lhe um beijo na cara. (naquele tempo
beijos na boca eram dados às escondidas na penumbra do quarto)
Manel continua zangado, e desistindo de tentar agarrar Ana, volta ao seu lugar
na mesa e decide beber o leite com chocolate. João, já estava a pegar na sua
tijela de migas de pão de leite para ir para a sala, quando a Ana, na sua
correria endiabrada escorrega e cai, batendo com a cabeça no canto da mesa.
Ana choramingava, Manel parecia satisfeito, e a mãe,
habituada aquelas quedas, apenas deu um beijo na testa de Ana e voltou à sua
tarefa - a preparação do jantar.
'Não papá... já está a passar... quero ir ao chão...' -
responde Ana enquanto manifesta desejo de sair do colo do pai.
'Estás a ver... isso foi castigo de Deus! Portaste-te mal e
Deus castigou-te!'
'Cala-te... pão com queijo...' - metendo a língua de fora:
'Bbrrrrr.... se tu podes roubar os meus brinquedos, eu também posso roubar o
teu pão com queijo... e o meu Deus não castiga, o teu é que é mal humorado...'
'Não são teus esses brinquedos - tu tens as tuas bonecas,
estes brinquedos são de meninos' - diz Manel, e acrescenta '... sei lá se é mal
humorado, nunca o vi...'
'Não quero saber - se eu os levar para a minha cama, ficam a
ser meus e tu já não podes tocar neles!' - diz Ana com ar de quem sabe o que
diz.
Manel dirige-se à mãe: 'Oh mãe, diga lá à Ana que as meninas só brincam com
bonecas...'
A mãe responde: 'Oh meu deus, quando posso ter sossego nesta
cozinha? Zunir, para fora daqui.. ah, e a palavra de Deus não é para andar na
vossa boca dessa forma...
'Mas a mãe anda sempre a dizer 'Ai, meu Deus!'....
interrompe a Ana..
'Zunir daqui para fora, senão ninguém janta hoje!' - diz a
mãe num tom mais zangado.
Habituados ao estado natural da mãe, sempre refilona e
nervosa, estas crianças haviam desenvolvido capacidade em brincar com isso, e
não levar muito a sério o que a mãe ia dizendo.
'Estás a ver? A mãe também acha que eu posso brincar com os
teus brinquedos, por isso, podemos dividir...'
'Não disse nada, tu é que inventaste! Vou escondê-los
debaixo da cama, e assim tu não podes lá ir...' - diz Manel
'Porquê? Eu vou onde eu quero... e se tu podes eu também
posso' - diz Ana
'Porque está lá um bicho de muitas pernas e pode
morder-te...' - diz Manel com ar assustador. Ana, revoltada, empurra o
Manel e vai para o seu quarto. Fecha a porta e começa a arrumar as suas bonecas
e alguns brinquedos do Manel debaixo da sua cama.
'Oh Ana, viste o meu pião?'
Ana, segurando o pião na sua mão e escondendo a guita, finge
que não ouve e esconde-se com os brinquedos debaixo de sua cama. Manel,
estranhando o seu silêncio, abre a porta do quarto de Ana devagarinho e pé ante
pé, aproxima-se da cama de Ana, para lhe roubar uma das bonecas que sua avó lhe
ofereceu.
Ao mesmo tempo, Ana agarra-se às pernas do Manel, fingindo
ser um monstro e Manel assusta-se no primeiro momento,mas depois espreita e vai
ter com Ana debaixo da cama.
E como nada se tivesse passado, começam a brincar os dois
com todas as coisas que Ana reuniu.
...
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